Como o Action Learning desenvolve o coach?
"O êxito de uma intervenção depende do estado interior do interventor"
Bill O'Brien (pag. 21, Teoria U)
Em Action Learning, enfatizamos a importância da aprendizagem, mais do que isso, a importância de se aprender enquanto age e refletir sobre essa experiência. No entanto, durante as sessões, a aprendizagem que se explora e aprofunda é a do grupo e dos indivíduos que o compõem. Aqui o convite é para refletirmos sobre a aprendizagem do coach. O coach tem o papel fundamental de garantir que a sessão percorra todas as etapas, dedicando especial atenção à aprendizagem do grupo. O coach de Action Learning ajuda os membros do grupo a refletirem sobre o que eles estão aprendendo e sobre como estão solucionando o problema. Por meio de perguntas, o coach provoca a reflexão sobre a qualidade da escuta e da participação de todos, sobre como estão trabalhando em grupo e o que estão alcançando. O principal papel do coach é garantir que o grupo se dedique à aprendizagem. “Sem o coach, o grupo entraria num padrão familiar de força-tarefa. O coach cria e sustenta a atmosfera de aprendizagem e investigação reflexiva” (MARQUARDT et al, 2009). E ao fazer isso, o que o coach aprende? Como o desenvolvimento do coach se dá, durante as sessões de Action Learning?
Podemos explorar o processo de aprendizagem do coach sob a ótica da metacognição – o conhecimento sobre os próprios processos e produtos cognitivos (Flavell, 1987). Durante sessões de Action Learning, o coach fica atento ao grupo e a cada indivíduo, percebendo como pensam, sentem e agem. A partir dessas percepções, o coach formula hipóteses, percebe oportunidades de aprendizagem e intervém, por meio de perguntas. Enquanto isso ocorre e ao final de cada sessão, o coach reflete sobre suas ações. A medida que o coach reflete profunda e criticamente sobre suas suposições ele aprende como suas crenças e modelos mentais estão estruturados e interferem na forma como ele percebe o grupo e age em relação a ele. Essa investigação explicita pensamentos que antes estavam implícitos e, portanto, os coloca em uma condição propícia à ação – mudança ou repetição. A metacognição, por definição, envolve a aprendizagem de double e triple-loop (Argyris, 1993; Freedman, 2006), ou seja, o coach tem a oportunidade de questionar suas próprias formas de funcionamento, comportamento, valores e pressupostos. O coach passa, portanto, caso queira e se dedique, por um intenso processo de autoconhecimento.
Além do conhecimento sobre suas dinâmicas internas de pensamento e sentimento, o coach desenvolve habilidades sociais e de facilitação de grupos.
Certa vez, um grupo de 6 pessoas reuniu-se para uma sessão de Action Learning, o problema a ser tratado foi definido, as habilidades de liderança a serem praticadas foram escolhidas e a sessão transcorria sem contratempos até que uma pergunta provocou silêncio no grupo, nenhuma resposta, verbal ou não-verbal, apenas silêncio. Como coach, eu me perguntava “O que houve? Por que pararam de falar?” e para o grupo lancei a pergunta: “O que significa esse silêncio?”. A partir daí, a conversa mudou de direção, ao invés de discutir os fatos e dados que caracterizavam o problema, o grupo passou a explorar os fatores subjacentes a ele, ou seja, quais os sentimentos das pessoas envolvidas na solução do problema, o que os estimulava a resolver o problema e o que os desmotivava, quais seriam os impactos de suas ações para as pessoas envolvidas, entre outros.
Essa intervenção só foi possível, porque, ao facilitar uma sessão, o coach tem a perspectiva privilegiada da observação. Diferentemente, da observação como etapa de método científico, aqui o observador interfere no meio, a partir daquilo que observa. Assim, o coach de Action Learning pode elaborar hipóteses e imediatamente colocá-las à prova. Essa prática, além do desenvolvimento óbvio de sua capacidade de observação, desenvolve a autoconfiança do coach, uma vez que ele percebe que, ainda que suas hipóteses não sejam confirmadas, assim que uma intervenção é feita o grupo reage, movimentando-se em direção à solução. Essa autoconfiança confere ao coach a coragem necessária para intervir sempre que ele percebe oportunidades de aprendizagem, ainda que toque em pontos sensíveis para o grupo (por exemplo, falta de confiança, conflitos velados, insegurança).
Uma vez que o coach foca no processo e não no conteúdo do problema que está sendo tratado, ele desenvolve visão sistêmica, ou seja, a capacidade de perceber como a ação de uma pessoa impacta a outra, o processo e a evolução do grupo. Por exemplo, como ocorreu num grupo de diretores de uma empresa distribuidora de peças automotivas. Nessa ocasião, um dos participantes havia escolhido escuta ativa como a habilidade de liderança a ser trabalhada durante a sessão. Em certo momento da sessão, em resposta a uma pergunta, essa pessoa passou a falar ininterruptamente por mais de dois minutos. Assim que ela parou para respirar, um outro participante, dirigindo-se a ela, perguntou “Você não ia trabalhar escuta ativa nessa sessão?”. A partir disso, até o final da sessão, aquele participante não se manifestou mais. No momento de refletir sobre a aprendizagem, pudemos investigar como a comunicação de um impactou a ação do outro e transformar essa experiência em aprendizado para todos, inclusive para o coach.
Além de perceber o impacto de suas próprias perguntas, o coach aprende ao observar as perguntas que o grupo faz e perceber o impacto que cada pergunta tem, tanto sobre o indivíduo questionado como na relação interpessoal do grupo e na evolução da discussão. Assim como os participantes, o coach desenvolve a habilidade de fazer perguntas que estimulam reflexão, geram insights e desenvolvem habilidades. Segundo Eric E. Vogt, Juanita Brown e David Isaacs, no artigo “The Art of Powerful Questions – Catalyzing Insight, Innovation and Action" (2003), podemos gerenciar o impacto da pergunta se a alterarmos em três dimensões – estrutura (linguagem), escopo (abrangência) e pressupostos (crenças implícitas). O coach tem, portanto, a possibilidade de identificar as perguntas, analisar suas estruturas e deixá-las cada vez mais neutras, livres de julgamento e mais propícias a provocar reflexão.
Outro aprendizado significativo do coach ao facilitar sessões de Action Learning é a própria capacidade de gerenciar o grupo. Uma vez que as regras estão claras para o grupo, as etapas da reunião estão estabelecidas e os objetivos alinhados, o coach passa a interferir apenas quando há oportunidade de aprendizagem. Isso para alguns pode ser bastante desafiador, uma vez que o coach deve abrir mão de controle. A autonomia do grupo, em Action Learning, deve ser altíssima. Uma crença importante para o coach é a de que o grupo é soberano e autorregulável. É o grupo quem estabelece o ritmo e o alcance das discussões. Nesse sentido, o coach desenvolve suas habilidades de facilitação de processos de aprendizagem. Facilitação aqui entendida como o processo de criar condições para a aprendizagem e o desenvolvimento do outro. Nesse sentido, o(a) facilitador(a) cuida exclusivamente do processo e não do conteúdo, que deve vir do grupo. Como facilitador(a) de aprendizagem, o(a) coach desenvolve a escuta empática (a habilidade de compreender o mundo pelos olhos do outro); a capacidade de ler o grupo (sensibilidade às diferentes percepções, necessidades e desejos dos diversos participantes do grupo e capacidade de conectá-los a fim de oferecer uma oportunidade de aprendizagem que beneficie a todos); a habilidade de ser o “provocador”, aquele que instiga a reflexão, descortina assuntos temidos e leva os participantes para um novo nível de discussão.
Para aprender e se desenvolver, cada indivíduo parte de suas experiências anteriores, sua formação, sua história, portanto, a jornada de aprendizagem de cada coach será única. No entanto, há algo que vale para todos – a aprendizagem somente ocorrerá se dedicarmos tempo e atenção à ela. Coaches experientes dedicam-se continuamente ao seu autodesenvolvimento. Em Action Learning, após cada sessão, o coach deve se perguntar: O que eu fiz bem? O que eu poderia fazer melhor? Como farei para que isso ocorra? O que eu aprendi, com esse grupo, hoje? As respostas para essas e outras questões similares levarão o coach a novos patamares de reflexão, aprendizagem e ação, garantindo que o coach possa evoluir a cada sessão, a cada grupo e a cada nova experiência em Action Learning.
Maria Carolina Mateus
Professional Action Learning Coach e facilitadora de grupos
Bibliografia:
ARGYRIS, C. Knowledge for Action: A Guide to Overcoming barriers to organizational change. San Francisco: Jossey-Bass, 1993.
FLAVELL, J. H. Speculations About The Nature and Development of Metacognition: Metacognition, Motivation and Understanding. Hillside, NJ: Erlbaum, 1987.
FREEDMAN, A. M. Action research: Origins and applicationsfor OD&C practioners. In B. B. Jones, & M. Brazzel (Eds.), The NTL handbook of organization development and change (pp. 83-103). San Francisco: Jossey-Bass/Pfeifeer/NTL Institute. 2006.
MARQUARDT, Michael J., LEONARD, H. Skipton, FREEDMAN, Arthur M., HILL, Claudia C. Action Learning for Developing Learders and Organizations. American Psychological Association, Washington, DC, 2009.
VOGT, Eric E., BROWN, Juanita e ISAACS David, The Art of Powerful Questions – Catalyzing Insight, Innovation and Action. Whole Systems Associates, 2003.
TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA COACHING BRASIL